1.1) Introdução
O uso da pesquisa qualitativa em administração de empresas é atualmente alvo de diversas discussões. Em editorial informativo da Associação Nacional de Programas de Pós Graduação em Administração (ANPAD), comentando o uso inadequado da pesquisa qualitativa, a professora Angela da Rocha do Instituto de Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro, observa “Evidencia-se a necessidade de formação e treinamento sistemático no uso dos métodos qualitativos, como é o caso da etnografia. A pesquisa qualitativa não é para amadores.” (ROCHA, 2005). A pesquisa acadêmica em administração utiliza-se ainda de técnicas da pesquisa em marketing ou para o mercado, sendo algumas vezes confundidas, como aponta Campomar (2005). Mesmo nas pesquisas quantitativas, menos controversas, a escolha das amostras também é criticada pelos acadêmicos, como o estudo apresentado no Encontro da ANPAD (ENANPAD) 2005, por Proença, Lopes e Meucci (2005), revelando que 16 artigos, ou seja, 34% dos trabalhos, apresentados no I Encontro de Marketing da ANPAD (EMA) escolheram amostras compostas de alunos, professores, ou outros membros ligados a instituição de pesquisa.
Alguns dos questionamentos estão relacionados com o fato que muitas das técnicas qualitativas de pesquisa em administração são adaptações de técnicas originárias em outras ciências, como por exemplo, a etnografia originada na sociologia, o estudo de caso, as pesquisas de opinião e as técnicas projetivas. O caso das técnicas projetivas é especialmente controverso. As técnicas projetivas originaram-se na psicologia, e são utilizadas em administração de empresas por psicólogos para processos seletivos de funcionários e pelo marketing. São também utilizadas nos estudos acadêmicos de administração. “O que distingue as técnicas projetivas é a apresentação de uma ambigüidade, um objeto desestruturado, uma atividade ou pessoa que o respondente é convidado a interpretar ou explicar”. (AAKER; KUMAR ; DAY, 1995 p.183, tradução nossa) O objetivo fundamental da técnica é encontrar sentimentos e opiniões escondidas, conscientes ou não.
Conforme observa Lilienfeld et al. (2000, p.57), o status cientifico das técnicas projetivas em psicologia permanece no mínimo controverso, existindo diversas técnicas com baixa validade. Quando consideradas na administração, Boddy (2005 p.247) sugere que a técnica ainda não foi completamente confirmada e mais evidências da sua validade e confiabilidade também são bem vindas.
Considerando o anteriormente colocado, o presente estudo discute as técnicas projetivas, suas origens, aplicações e apresenta um experimento que pode trazer algum esclarecimento sobre seus problemas e usos.
1.2) Objetivos da Pesquisa
Auxiliar no entendimento do funcionamento das técnicas projetivas e nos cuidados de seu uso. Trazer novos insigths para a compreensão da visão dos consumidores sobre preservativos.
1.3) Questões de Pesquisa
A técnica projetiva pode ser utilizada para confirmar suspeitas? Quando o pesquisador determina a metodologia e o instrumento, ele também determina as respostas na técnica projetiva? Verificar se a presença de preservativos numa lista de compra influi nas opiniões dos respondentes, da maneira como supõe inicialmente os autores.
1.4) Definições Teóricas das Variáveis ou Conceitos Relevantes
Nesta seção devem ser colocadas as principais definições de variáveis técnicas. Esse trabalho por sua natureza mais qualitativa apresenta conceitos e termos que precisam ser definidos, mas não apresenta variáveis quantitativas. Os principais conceitos que devem ser compreendidos pelo leitor são:
Técnicas: Conjunto de métodos e pormenores práticos essenciais à execução perfeita de uma arte ou profissão.
Projeção: Para este estudo, o conceito de projeção está ligado ao conceito Freudiano de Projeção, através do qual o sujeito projeta em outra pessoa ou objeto característico que não aceita em sua personalidade (ANDERSON e ANDERSON, 1967).
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1) Técnicas Projetivas em Psicologia
As técnicas projetivas são utilizadas pela psicologia para entender e conhecer a personalidade dos indivíduos e pacientes, e seus conflitos profundos. O estudo da administração de empresas apropriou-se de algumas destas técnicas com objetivo de conhecer sentimentos e opiniões que os respondentes de pesquisa evitariam revelar caso perguntados diretamente. O presente estudo coloca a pertinência desta adaptação, e propõe um experimento que pode ajudar a esclarecer o funcionamento da técnica quando aplicada em marketing.
Na psicologia, os mais famosos testes projetivos são o Rorschach, ou exame de manchas, a associação de palavras proposta por Jung, o desenho livre e o Teste de percepção Temática (T.A.T.). “O Rorschach, por exemplo, consiste na apresentação ao sujeito de uma série de manchas de tinta e solicita-se que descreva com o que se parecem”.(HAIRE,1950, p.651). Segundo Anzieu (1978), o conceito de técnicas projetivas em psicologia clinica está associado a testes elaborados com o intuito de encontrar a organização da personalidade do indivíduo. Relacionando-se ao conceito de projeção de Freud, “favorecendo a descarga sobre o material apresentado ao sujeito de tudo aquilo que ele recusa ser, que vivência como mau, ou como pontos vulneráveis”. ANZIEU (1978, p.18).
Um bom exemplo da aplicação da técnica projetiva em psicologia clínica é o teste de desenho da figura humana. O teste é padronizado em todo o contexto (tamanho da folha, instruções, etc...), e solicita-se ao sujeito que desenhe uma pessoa. A partir de então se observa o desenho a procura de características, que isoladas, pouco indicam, mas que podem ser significativas quando apresentadas em conjunto. Exemplificando, se o sujeito gira a folha ao iniciar o desenho, ao invés de desenhar na página da maneira pela qual lhe foi apresentada, existe uma possibilidade deste indivíduo ser inovador, criativo ou mesmo rebelde e avesso as normas. Caso outras características do desenho reforcem esta idéia, aumenta as chances de um diagnóstico correto (LOURENÇÃO, 1966).
Nos anos 40 e 50, começou a utilização das técnicas projetivas para estudos de administração, motivação e comportamento do consumidor, principalmente na área de marketing.
2.2) Técnicas Projetivas em Administração
A primeira distinção fundamental da técnica projetiva aplicada em psicologia, para as técnicas que começaram a ser aplicadas em administração, estão relacionadas aos objetivos. Observe que os princípios lógicos que orientam o uso são similares. As técnicas projetivas em administração,
[... facilitam a articulação de pensamentos que de outra forma seriam barrados, pois permitem que aos sujeitos pesquisados ‘projetarem’ seus pensamentos em alguém ou alguma coisa diferente de si mesmos. As técnicas projetivas são aquelas que permitem aos participantes responderem de forma que de outra maneira eles não seriam capazes de responder. (BOODY, 2005 p.240)
Entretanto, o propósito da aplicação da técnica na psicologia clínica, encontrar a organização da personalidade do indivíduo, difere do propósito da aplicação em administração ou em marketing, “encontrar a forma como um produto, idéia ou marca é visto pelo sujeito em seu mundo privado”. (Haire, 1950, p.651). Em declaração ao Jornal Market News , Marian Polski presidente do QualiDaa Research Inc. N.Y. coloca a utilidade das técnicas projetivas como “uma oportunidade de ver os consumidores com as defesas abaixadas”.(MILLER, 1991).
Além disso, devemos observar que as técnicas projetivas em sua aplicação clínica usam comumente os mesmos testes (Wartegg , desenhe uma árvore, desenhe uma pessoa) e as mesmas pranchas de estímulo (caso das manchas de Roscharch, os dos T.A.T. ). Já em administração, na maior parte das vezes cada estímulo e aplicado apenas uma vez com um grupo de pesquisados, e não mais repetido. Essa característica torna difícil obter validade estatística para os estímulos, preocupação que ocorreu na psicologia (ANDERSON, H.H. e ANDERSON G. L., 1967, p.69).
Alguns exemplos podem ajudar a compreender o uso destas técnicas em administração. Normalmente, a técnica é utilizada quando o pesquisador acredita que uma pergunta direta traria uma resposta socialmente condicionada. Exemplificando temos “qual seria a resposta se perguntássemos a um grupo de consumidoras porque não consomem mais frango?” Provavelmente um clichê como “Minha família não gosta muito de frango”.
Abelson descreve um estudo no qual donas de casa são solicitadas a servir frango para suas famílias três vezes por semana durante um ano, em troca de um pagamento de 15 dólares semanais e um acordo de não contar o arranjo para os familiares. As objeções e problemas levantados pelas mulheres traziam muitos insights sobre a atitude destas mulheres com relação ao consumo de frango. Ao final da sessão esclarecia-se o objetivo do estudo e o fato da proposta ser uma ficção.(AAKER, 1995, p.187)
Um dos casos mais conhecidos de aplicação de técnicas projetivas em estudos de marketing é o estudo do Nescafé, elaborado por Haire, em 1950. Observe que, “apesar de sua idade, o estudo permanece um dos casos chaves para a comprovação de validade e confiabilidade do método” (BODDY, 1950, p.244),.